Uma nova ótica sobre a história indígena no ensino de
História
O texto a seguir é de
Antônia Terra, professora
do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) e pode contribuir para a
reflexão sobre o trabalho com a temática indígena na sala de aula
A história do Brasil foi construída com base na
diversidade de sujeitos históricos, incluindo nações invasoras e povos que aqui
viviam ou que foram trazidos para cá. Mas a História contada na escola tem
excluído os indígenas como se eles não fossem protagonistas da história
nacional. Isso tem ocorrido principalmente por causa da influência da
historiografia do século 19, comprometida com os valores da elite da época, que
escolheu identificar a história da nação com ações da sociedade europeia e
descendentes.
Da produção do século 19, o ensino de História herdou as ideias
errôneas de que os povos indígenas representariam a "infância" da
humanidade, seriam remanescentes de um estágio ultrapassado pelos
"civilizados" e pertenceriam à "pré- história". Em
decorrência, os alunos têm incorporado a ideia de que os povos indígenas não
têm história e, assim, negam a eles o direito à luta por direitos, atitudes de
autodeterminação e autonomia para escolha de costumes, línguas e religiões. Em
geral, a escola divulga a crença de que as mudanças nos costumes indígenas, por
causa do contato com outros povos, significam o abandono da identidade dos
índios, deixando eles de ser terena, ianomâmi, xavante, guarani...
Ao longo do século 20, apesar de alguns historiadores
ressaltarem a importância dos povos nativos no contexto da colonização lusa na
América, prevaleceram as versões que destacaram as ações dos portugueses e
europeus em que em geral os indígenas eram vítimas, derrotados ou resistentes à
ordem da colônia. Essas versões também foram incorporadas pelo ensino de
História. Sem terem sido entendidos como protagonistas por diferentes correntes
até então, nas versões escritas da História, os ameríndios só tiveram atribuído
a si mesmos o papel de legar algumas heranças culturais à nação e,
principalmente, um silêncio sobre as resistências e persistências ao longo dos
séculos.
(...)
Nos anos 1970, os povos indígenas contaram com o apoio do
Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ligado à Igreja Católica, e dos
antropólogos ligados às universidades, que defendiam a importância de respeitar
e preservar suas culturas. Em oposição a eles estava a Fundação Nacional do
Índio (Funai), que tinha como política naquele contexto a integração desses
povos à sociedade nacional, dando continuidade à política portuguesa desde o
século 16, posteriormente à política do governo imperial brasileiro no século
19 e também do governo republicano ao longo do século 20. Ou seja, a integração
do povo indígena sempre significou um esforço para diluí-lo entre a população
brasileira. As denúncias contra as ações da Funai durante o regime militar
indicavam, por exemplo, que elas estavam voltadas para a retirada dos indígenas
de suas terras para entregá-las aos agricultores não índios e a grandes
empresas agropecuárias.
O confronto entre indígenas e colonos, na década de
1970, politizou os povos indígenas, intensificando suas lutas por direito às
terras, às línguas e aos costumes. E, com o processo de implantação da
sociedade democrática no Brasil, na década de 1980, as organizações indígenas
elegeram um deputado federal e fortaleceram suas alianças, garantindo seus
direitos na Constituição de 1988.
Com ela, os povos indígenas tiveram
assegurados por lei a diversidade étnica e o direito de manter seus
territórios. Todavia, os valores de inferioridade disseminados ao longo de
cinco séculos prevaleceram no imaginário da população brasileira, além do
desconhecimento sobre suas particularidades culturais. Conhecer melhor quem são
os indígenas, como vivem, no que acreditam e quais foram e são suas lutas
possibilita aproximações importantes e necessárias para a conquista do respeito
e valorização das diferenças de costumes entre os povos.
Nesse sentido, em 2008, com a Lei nº 11.645, que
estabelece a obrigatoriedade do estudo da história indígena nas classes
brasileiras, houve um avanço significativo, com a possibilidade de a história
nacional ser reescrita e nela ser incluída o protagonismo dos povos indígenas
na construção de nosso passado e de nossa realidade contemporânea. (...)
http://revistaescola.abril.com.br/fundamental-1/nova-otica-historia-indigena-ensino-historia-780296.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário