quinta-feira, 29 de outubro de 2015

UM ARQUEÓLOGO EM CADA MUNICÍPIO BRASILEIRO

UM ARQUEÓLOGO EM CADA MUNICÍPIO BRASILEIRO

 “Defender o nosso patrimônio histórico e
artístico é também alfabetizar” - Mário de Andrade (1936)

Por Maria Beltrão – arqueóloga
           
São recentes a cultura e a política de preservação no Brasil. Estamos ainda caminhando nesta direção. Assim como um sentimento amoroso – que vai crescendo aos poucos, à medida que ganhamos confiança e intimidade –, para cuidar do que é nosso, do patrimônio público, é preciso ter auto-estima e acesso à educação. É preciso pertencer, se sentir parte do lugar onde vivemos, ser participativo como cidadão e crítico dentro da sociedade. Hoje, não é mais possível imaginar o crescimento de uma cidade, de um país, sem levar em consideração a preservação e a memória. Esta lição precisa ser compreendida o quanto antes.
Há vários conceitos de patrimônio cultural. O que melhor expressa a concepção de cultura, porém, é aquele que a considera como tudo que o homem produziu - e interpretou - durante a sua existência. E vai além da idéia de “herança” deixada por gerações anteriores e que deve ser transmitida para as futuras. A busca da preservação de nossa identidade cultural deve ser o objetivo primeiro de toda política de proteção dos bens culturais. Essa política nasce de um comprometimento com a vida social. Ao preservar seu patrimônio arqueológico pré-histórico e histórico, a sociedade conquista a possibilidade de um crescimento social integral e solidário, compartilhando, eqüitativamente, os legados da história e da natureza. O compromisso com a sociedade se apresenta através de processos econômicos, culturais, sociais e políticos, que condicionam o próprio desenvolvimento. A preservação do patrimônio coletivo, arqueológico pré-histórico e histórico, estético e do meio-ambiente, interfere diretamente no ordenamento urbano.
O Parque Paleontológico de São José de Itaboraí – criado pela Prefeitura Municipal em 1995 – completou sete anos no dia 12 de dezembro. Apesar de muito visitado por estudantes, pesquisadores e turistas, o Parque permanece em total abandono. Sua área continua  sendo invadida e fósseis de grande importância para o país e para o mundo são retirados comprometendo seriamente o projeto original.
A bacia calcária onde o parque se localiza se destaca no cenário paleontológico brasileiro como a única área científica onde se tem o  registro de alguns dos primeiros mamíferos terrestres, que surgiram há, aproximadamente, 60 milhões de anos, semelhante aos sítios da Patagônia e do Noroeste da Argentina. O Parque de São José de Itaboraí é o mais antigo registro brasileiro da fauna e flora fósseis continentais que se desenvolveram após a extinção dos dinossauros.
Há pelo menos três anos, diversas instituições como o Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio de Janeiro e organizações não governamentais – como o Instituto Walden e a Associação de Moradores de São José de Itaboraí, entre outras – elaboraram uma proposta de consolidação do parque, propondo a criação de um museu e de um centro de formação profissional. Os objetivos principais são a conservação e a recuperação, por meio do uso sustentável dos recursos naturais existentes na região.
Tal medida visa não apenas garantir a continuidade dos estudos científicos, mas também promover atividades de educação e treinamento das comunidades na questão ambiental e de formação de profissionais em várias áreas de atividades – o que ajudaria na superação de problemas ambientais. Um museu no parque também beneficiaria a região, trazendo  desenvolvimento para o município. A grande afluência de visitantes, pela proximidade de cidades como Rio de Janeiro, Niterói, São Gonçalo e outras da Região Metropolitana, traria estímulo ao comércio e à prestação de serviços no seu entorno.
A pesquisa arqueológica permite ver o processo histórico de uma perspectiva mais ampla do que aquela que nos indicam os documentos escritos. A noção de processo histórico global amplia os horizontes dos indivíduos e estimula sua solidariedade, ao reconstituir conceitualmente uma memória que será acessível a toda comunidade, permitindo uma compreensão das diferenças e desigualdades presentes no patrimônio cultural. E, portanto, da percepção de que a cidade é um organismo vivo e, como tal, passível de ser mudado e corrigido.
O Brasil é um enorme sítio arqueológico e o Estado do Rio de Janeiro não possui nenhum outro local similar ao Parque Paleontológico de São José de Itaboraí. Nem, tampouco, espaço educacional e cultural dotado de tão importante acervo arqueológico e paleontológico estruturado sob a forma de parque. Mesmo assim, a destruição desordenada de sítios arqueológicos, em especial os pré-históricos, vem se acelerando. O patrimônio fica sujeito a cumprir funções práticas, que variam segundo a necessidade dos governantes de cada época.
A preservação, a proteção e a gestão do patrimônio arqueológico são fundamentais para se entender as escolhas que foram feitas pelas sociedades que nos antecederam. Os sítios arqueológicos não devem ser preservados intactos por meio do isolamento do contexto em que estejam inseridos, mas dentro de uma política de conservação integrada. Devem estar adequadamente ligados às atividades locais, desenvolvidas pelos grupos que habitam a área. É imprescindível dividir com a sociedade local a incumbência de proteger e defender o patrimônio histórico-cultural. Porque ele é de todos nós.



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