UM
ARQUEÓLOGO EM CADA MUNICÍPIO BRASILEIRO
“Defender o nosso patrimônio histórico e
artístico é
também alfabetizar” - Mário de
Andrade (1936)
Por Maria Beltrão – arqueóloga
São
recentes a cultura e a política de preservação no Brasil. Estamos ainda caminhando
nesta direção. Assim como um sentimento amoroso – que vai crescendo aos poucos,
à medida que ganhamos confiança e intimidade –, para cuidar do que é nosso, do
patrimônio público, é preciso ter auto-estima e acesso à educação. É preciso
pertencer, se sentir parte do lugar onde vivemos, ser participativo como
cidadão e crítico dentro da sociedade. Hoje, não é mais possível imaginar o
crescimento de uma cidade, de um país, sem levar em consideração a preservação
e a memória. Esta lição precisa ser compreendida o quanto antes.
Há
vários conceitos de patrimônio cultural. O que melhor expressa a concepção de
cultura, porém, é aquele que a considera como tudo que o homem produziu - e
interpretou - durante a sua existência. E vai além da idéia de “herança”
deixada por gerações anteriores e que deve ser transmitida para as futuras. A
busca da preservação de nossa identidade cultural deve ser o objetivo primeiro
de toda política de proteção dos bens culturais. Essa política nasce de um
comprometimento com a vida social. Ao preservar seu patrimônio arqueológico
pré-histórico e histórico, a sociedade conquista a possibilidade de um
crescimento social integral e solidário, compartilhando, eqüitativamente, os
legados da história e da natureza. O compromisso com a sociedade se apresenta
através de processos econômicos, culturais, sociais e políticos, que
condicionam o próprio desenvolvimento. A preservação do patrimônio coletivo,
arqueológico pré-histórico e histórico, estético e do meio-ambiente, interfere
diretamente no ordenamento urbano.
O Parque
Paleontológico de São José de Itaboraí – criado pela Prefeitura Municipal em
1995 – completou sete anos no dia 12 de dezembro. Apesar de muito visitado por
estudantes, pesquisadores e turistas, o Parque permanece em total abandono. Sua
área continua sendo invadida e fósseis
de grande importância para o país e para o mundo são retirados comprometendo
seriamente o projeto original.
A bacia
calcária onde o parque se localiza se destaca no cenário paleontológico
brasileiro como a única área científica onde se tem o registro de alguns dos primeiros mamíferos
terrestres, que surgiram há, aproximadamente, 60 milhões de anos, semelhante
aos sítios da Patagônia e do Noroeste da Argentina. O Parque de São José de
Itaboraí é o mais antigo registro brasileiro da fauna e flora fósseis
continentais que se desenvolveram após a extinção dos dinossauros.
Há pelo
menos três anos, diversas instituições como o Museu Nacional da Universidade
Federal do Rio de Janeiro, o Departamento de Recursos Minerais do Estado do Rio
de Janeiro e organizações não governamentais – como o Instituto Walden e a
Associação de Moradores de São José de Itaboraí, entre outras – elaboraram uma
proposta de consolidação do parque, propondo a criação de um museu e de um
centro de formação profissional. Os objetivos principais são a conservação e a
recuperação, por meio do uso sustentável dos recursos naturais existentes na
região.
Tal medida visa não apenas garantir a continuidade
dos estudos científicos, mas também promover atividades de educação e
treinamento das comunidades na questão ambiental e de formação de profissionais
em várias áreas de atividades – o que ajudaria na superação de problemas
ambientais. Um museu no parque também beneficiaria a região, trazendo desenvolvimento para o município. A grande
afluência de visitantes, pela proximidade de cidades como Rio de Janeiro,
Niterói, São Gonçalo e outras da Região Metropolitana, traria estímulo ao
comércio e à prestação de serviços no seu entorno.
A pesquisa arqueológica permite
ver o processo histórico de uma perspectiva mais ampla do que aquela que nos
indicam os documentos escritos. A noção de processo histórico global amplia os
horizontes dos indivíduos e estimula sua solidariedade, ao reconstituir conceitualmente
uma memória que será acessível a toda comunidade, permitindo uma compreensão
das diferenças e desigualdades presentes no patrimônio cultural. E, portanto,
da percepção de que a cidade é um organismo vivo e, como tal, passível de ser
mudado e corrigido.
O Brasil é um enorme sítio
arqueológico e o Estado do Rio de Janeiro não possui nenhum outro local similar
ao Parque Paleontológico de São José de Itaboraí. Nem, tampouco, espaço
educacional e cultural dotado de tão importante acervo arqueológico e paleontológico
estruturado sob a forma de parque. Mesmo assim, a destruição desordenada de
sítios arqueológicos, em especial os pré-históricos, vem se acelerando. O
patrimônio fica sujeito a cumprir funções práticas, que variam segundo a
necessidade dos governantes de cada época.
A preservação, a proteção e a
gestão do patrimônio arqueológico são fundamentais para se entender as escolhas
que foram feitas pelas sociedades que nos antecederam. Os sítios arqueológicos
não devem ser preservados intactos por meio do isolamento do contexto em que
estejam inseridos, mas dentro de uma política de conservação integrada. Devem
estar adequadamente ligados às atividades locais, desenvolvidas pelos grupos
que habitam a área. É imprescindível dividir com a sociedade local a
incumbência de proteger e defender o patrimônio histórico-cultural. Porque ele
é de todos nós.
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